TEA na Fisioterapia Pediátrica: Roteiro de Avaliação Sensório-Motora que Realmente Orienta o Tratamento



Vou te apresentar um roteiro prático, clínico e direto ao ponto — pensado para fisioterapeutas pediátricos — que transforma observações sensório-motoras em prioridades de tratamento claras. Uso este roteiro na primeira avaliação para definir metas funcionais, dose terapêutica e o que delegar à equipe/familia.

1) Objetivo do roteiro

Fornecer uma sequência estruturada de coleta de dados sensório-motoros que:

  • identifique padrões (regulação, tônus, estabilidade proximal, motricidade fina, bimanualidade);

  • diferencie hiper vs hipo em canais sensoriais;

  • produza prioridades de intervenção com objetivos práticos e transferíveis ao cotidiano.

2) Preparação — ambiente e materiais (tempo: 2–3 min)

  • Sala com pouca estimulação visual/sonora.

  • Materiais: bola grande, rolo/colchonete, mini-trampolim, prendedores, contas grandes, copo com bico/palhinhas, texturas (pano/escova/esponja), cronômetro/timer visual, caderno para registro.

  • Avisar família sobre observação de refeição/brincadeira breve, pedir rotina habitual.


3) Anamnese focal (5–8 min) — perguntas essenciais

Registre com objetividade:

  • Idade, diagnósticos já formalizados, medicações.

  • História perinatal (prematuridade, UTI, problemas neonatais).

  • Rotina do sono e alimentação (respiração oral? engasgos?).

  • Padrões sensoriais percebidos pelos cuidadores (evitação, busca, seletividade).

  • Situações de maior crise/estabilidade (ambientes, horários).

  • Metas dos cuidadores (autonomia na alimentação, escola, autocuidado).

4) Observação livre (3–5 min)

Coloque a criança em seu contexto habitual (brincadeira com um brinquedo preferido). Observe:

  • Nível de arousal (sonolento / calmo / hiperexcitado).

  • Mobilidade espontânea e variabilidade de movimento.

  • Uso espontâneo das mãos (unimanual vs bimanual).

  • Estratégias de regulação (autoestimulação: bater, girar, morder).

  • Evidência de defensividade tátil/visual/auditiva.

Registre vídeo curto (se família permitir) para revisar padrões finos.

5) Exame sensório-motor estruturado (20–30 min) — domínio por domínio

Para cada item, faça uma observação e uma nota rápida (ex.: 0 = normal/adequado; 1 = leve alteração; 2 = moderado; 3 = severo).

A. Regulação e Arousal

  • Observações: tempo de engajamento, transições (calmo → agitado), resposta a mudança de atividade.

  • Teste rápido: cronometre tempo de atenção em tarefa nova (ex.: 30–120 s).

B. Sistema Tátil (periférico e intraoral)

  • Reação a toque leve vs pressão profunda; tolerância a texturas.

  • Teste: toque com escova macia → esponja → compressão leve; registro da reação.

C. Propriocepção e “heavy work”

  • Resposta a compressões articulares, habilidade em empurrar/puxar.

  • Teste: empurrar caixa leve 5–10 m; nota sobre qualidade e busca de propriocepção.

D. Vestibular

  • Tolerância a linear vs rotatório; resposta a balanço.

  • Teste: balanço linear 20–30 s; rotação lenta 1–2 voltas; observe náusea, rir, susto.

E. Sistema Auditivo e Visual (integração)

  • Sensibilidade a sons (alarme, voz alta), habilidade de seguir alvo visual e mudar foco.

  • Teste: seguir alvo lento, mudança de direção (tracking), responder ao nome.

F. Tônus e Controle Postural (proximal)

  • Tônus axial, resistência a alongamento, controles em prono/quadrúpede/sentado.

  • Teste: prono no rolo (2 min) — observar endurance em anti-gravidade; sentado sem suporte — tempo e ajustes.

G. Padrões de Alcance e Preensão

  • Tipo de preensão (palmar, digital, trípode), controle de força (esmagamento vs fracamente pegar).

  • Teste: alcançar objeto a 90° e 135°; transferir bolinha de palma → ponta dos dedos; contar quedas.

H. Coordenação Bimanual e Manipulação Intramanual

  • Papel estabilizador vs mão manipuladora, translação/shift/rotação.

  • Teste: enfiar contas (1 min), abrir tampa grande, rasgar papel em linha.

I. Funções de Alimentação e Respiração (se aplicação)

  • Observação de mastigação, respiração nasal vs oral, tosse durante engolir. Se houver suspeita de risco, registrar e encaminhar.

6) Instrumentos padronizados (se disponíveis)

Sugestões para complementar a avaliação clínica (adaptar à idade):

  • Sensory Profile / perfil sensorial (Dunn) — para triagem de canais sensoriais.

  • AIMS (bebês) — para qualidade motora global.

  • PDMS-2 / Peabody / BOT-2 — quando for necessário medir motricidade fina e grossa de forma padronizada.
    Use o que está disponível na sua clínica; a avaliação clínica continua sendo o núcleo.

7) Síntese clínica e priorização (matriz prática)

Imediatamente após avaliação, preencha a matriz:

  • Colunas: Domínio (Regulação, Tônus, Proprio, Vestibular, Tátil, Visual/Auditivo, Proximal, Fino/Bimanual).

  • Linhas: Severidade (0–3), Impacto funcional (baixo/medio/alto), Prioridade (1 = urgente, 2 = alta, 3 = secundária).

Exemplo de interpretação rápida:

  • Hiper-tátil (2) + ansiedade na refeição (impacto alto) → Prioridade 1: iniciar dessensibilização orossensorial + estratégias de regulação.

  • Hipotonia proximal (2) + preensão preservada → Prioridade 1: trabalhar tronco/prono antes de exigir finura.

8) Tradução da avaliação em objetivos (formatar SMART)

Para cada prioridade, escrevo 1–2 metas SMART (ex.: “Em 6 semanas, aumentar o tempo de atenção em tarefa manipulativa de 45 s para 2 min, com presença de mão estabilizadora em ≥70% do tempo, medido em 3 sessões consecutivas”).
Inclua metas funcionais familiares (ex.: segurar talher para alimentação, manipular zíper, permanecer 5 minutos numa atividade escolar).

9) Plano de tratamento inicial (exemplo prático — 30–40 min)

Estrutura da sessão com base nas prioridades:

  1. Regulação (5–8 min): heavy work, compressões, mini-trampolim (dose adaptada).

  2. Trabalho proximal / postura (8–12 min): prono no rolo, quadrúpede com alcance, deslocamentos de peso.

  3. Motricidade fina / bimanual (10–15 min): sequências funcionais (abrir potes, enfiar contas, transferências), progressão de precisão.

  4. Integração funcional e transição (3–5 min): tarefa que reproduz atividade diária (brincar em conjunto, abrir lancheira).

  5. Orientação à família (3–5 min): atividades domiciliares curtas (2–4 min, 2x/dia) e sinais de alerta.

Dose sugerida: 2–3x/semana para intervenção intensiva; 1–2x/semana com foco em coaching familiar para manutenção.

10) Indicadores de progresso e reavaliação

  • Reavaliar a cada 4–6 semanas: tempo de atenção, qualidade de preensão (escala 0–3), % bimanualidade funcional, tolerância tátil (0–3).

  • Use Goal Attainment Scaling (GAS) para metas familiares.

  • Ajuste prioridade se houver mudanças significativas em regulação/tônus.

11) Encaminhamentos e red flags

Encaminhe com urgência para avaliação interdisciplinar (neuropediatra, fonoaudiologia, terapia ocupacional, nutrição) se:

  • regressão de habilidades;

  • suspeita de aspiração/engasgos frequentes;

  • sinais neurológicos progressivos (espasticidade crescente, crises convulsivas);

  • ganho ponderal insuficiente por problemas de alimentação.

12) Comunicação com a família (essencial)

  • Entregar resumo objetivo: prioridades, 2 metas de curto prazo, 2 micro-tarefas diárias.

  • Ensinar como “ler” sinais de overload e sinais de autorregulação.

  • Propor registro simples (diário de 1 linha por dia) para monitorar consistência.

Ferramentas rápidas que uso no prontuário (modelo de scores)

  • Arousal: 1–5 (1 muito baixo → 5 muito alto).

  • Preensão: 0 palmar / 1 digital instável / 2 trípode com compensação / 3 trípode dinâmico.

  • Tolerância tátil: 0 normal / 1 leve sensibilidade / 2 moderada / 3 evitamento severo.

  • Bimanualidade funcional: % do tempo com mão estabilizadora (meta ≥ 70%).

Essas métricas objetivas facilitam justificar condutas e comunicar com a equipe.

Gancho prático (recursos)

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Vamos Concluir?

Uma boa avaliação sensório-motora no TEA não é uma “lista de checagem” fria: é um mapa clínico que transforma observações em prioridades terapêuticas claras e metas funcionais. Ao integrar regulação, tônus, sensorialidade e habilidade manual num único raciocínio, você define intervenções com maior chance de transferir para o dia a dia da criança.

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