Fisioterapia na Hipertensão Pulmonar Pediátrica
Cada vez mais, nas Unidades de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica, a fisioterapia respiratória é uma especialidade imprescindível, desempenhando um importante papel junto à equipe multiprofissional.
As crises de HP são uma complicação clínica e pós-operatória potencialmente fatal. Sempre que houver uma falha da resistência vascular pulmonar em diminuir após o nascimento, seja por problemas durante a gestação, os quais levam a um sofrimento fetal e, conseqüentemente à muscularização anormal das artérias pulmonares, ou por manutenção de um shunt esquerdo-direito em função de uma cardiopatia congênita, conduzindo a um aumento do fluxo sangüíneo pulmonar, ou ainda fatores de compressão intratorácica por presença de uma hérnia diafragmática congênita, por exemplo, ou por um quadro grave de displasia pulmonar por tempo prolongado de ventilação mecânica com altas frações inspiradas de oxigênio e/ou por altas pressões nas vias aéreas, pode-se ter um quadro de aumento da RVP que pode gerar episódios de hipertensão pulmonar. Essa situação em que é observado um aumento excessivo da resistência vascular pulmonar agrava-se quando se considera neonatos com cardiopatia congênita, pois as interações cardiopulmonares são mais sensíveis em função da sua própria imaturidade miocárdica e pelos problemas respiratórios neonatais, os quais geralmente estão associados a este mal.
No pós-operatório de uma cirurgia pediátrica, há algumas situações que podem evoluir com HP: drenagem anômala das veias pulmonares, cardiopatias de hiperfluxo pulmonar (Comunicação Interatrial e Interventricular, Persistência do Canal Arterial), Transposição Vasos da Base, ventrículo único sem estenose pulmonar, interrupção do arco aórtico, cor triatriatum, truncus arterious comunis, transplante cardíaco, além do pós-operatório de cirurgias de Fontan, Glen e Hemi-Fontan. Os aumentos da pressão pulmonar, no período pós-operatório, ocorrem em função das lesões endoteliais sofridas em decorrência da instituição da circulação extracorpórea (CEC), a qual pode gerar uma resposta inflamatória sistêmica com redução do débito cardíaco pelo aumento da pós-carga de ventrículo direito.
A RVP está relacionada com diversos mediadores, entre eles, a pressão arterial e alveolar de oxigênio (PaO2 e PAO2, respectivamente), pressão arterial de gás-carbônico (PaCO2), pH sérico além de mecanismos ventilatórios. Assim, estímulos simpáticos como a dor, a agitação psicomotora, o choro, as drogas usadas e os estímulos traqueais podem desencadear ou agravar uma crise de HP.
Uma minuciosa avaliação prévia é fundamental para que se possa realizar um atendimento fisioterapêutico eficaz, mas principalmente seguro, trazendo um mínimo de repercussões respiratórias e/ou hemodinâmicas. E este é o principal motivo para que o suporte ventilatório dessas crianças, quando necessário, seja muito cuidadoso e equilibrado.
De modo geral, pode-se dizer que os principais objetivos da fisioterapia em crianças que cursam com quadros de aumentos excessivos na pressão de artéria pulmonar estão na possibilidade de ofertar níveis adequados de oxigênio, tendo em vista a sua característica vasodilatadora pulmonar e evitar elevações na concentração de gás carbônico arterial, uma vez que esta substância é considerada um potente vasoconstritor pulmonar.
Manobras de Desobstrução Brônquica
A higiene brônquica é fundamental para que se possa minimizar a formação de rolhas e acúmulo de secreção brônquica, pois estas situações podem provocar instabilidade hemodinâmica e alterações respiratórias graves na criança com HP. Entretanto, é sabido que determinadas manobras para desobstrução brônquica, como a tapotagem, podem desencadear uma hiper-reatividade brônquica, que evolui para um broncoespasmo e piora da HP. Além disso, por se tratar de uma técnica que deve ser realizada com ritmo e vigor, isso por si só já poderia provocar uma intensa agitação psicomotora com conseqüente início de nova crise de HP.
É importante recordar que naquele grupo de crianças em pós-operatório de cirurgia cardíaca a manipulação fisioterapêutica é restrita pela incisão esternal (esternotomia mediana), que ocorre na maior parte das intervenções. Assim, deve-se optar por manobras como o Bag-Squeezing, enquanto a criança estiver sob intubação orotraqueal, que se utiliza da bolsa de reanimação (Ambu) para provocar um fluxo turbulento e hiperinsuflação pulmonar momentânea, que estimula o reflexo tussígeno e propicia uma melhor mobilização das secreções. Pode-se fazer uso de solução salina (soro fisiológico a 0,9%) para maior fluidificação das secreções durante a realização das manobras.
Em bebês com história de HP e sob intubação orotraqueal e ventilação mecânica, que não foram, entretanto, submetidos a qualquer intervenção cirúrgica, é importante que se realize uma terapia efetiva e se evite manipulação desnecessária para que se possa reduzir os quadros de aumento da pressão de artéria pulmonar. Nesses pacientes, pode-se realizar a manobra de Bag-Squeezing associada à vibrocompressão do tórax na fase expiratória. Posteriormente, segue-se com a aspiração das secreções brônquicas.
Há autores que questionam a realização da fisioterapia respiratória nas crianças com HP, no entanto, deve-se considerar a real necessidade da terapia e, mesmo que momentaneamente possa haver um aumento da pressão intratorácica com aumento da RVP, posteriormente, o estado geral da criança será beneficiado pela minimização das secreções brônquicas, manutenção dos volumes e capacidades pulmonares e redução da hipoxemia. Além disso, é possível reduzir a hipercapnia com manobras que busquem a higiene brônquica e a expansibilidade pulmonar.
Uma situação vista como ideal é aquela em que as crianças, em especial as submetidas à intervenção cirúrgica, recebem sedação e analgesia, principalmente durante a terapia respiratória, evitando-se, então, situações indesejadas como a HP.
Aspiração das Secreções Brônquicas
A aspiração das secreções brônquicas é um procedimento que, na maioria das vezes, provoca intensa agitação do paciente, podendo colocar em risco sua vida, especialmente em certas situações, como é o caso da hipertensão pulmonar (HP).
Assim como com as demais técnicas de fisioterapia respiratória, antes da realização da aspiração, é de extrema importância que se reconheça sua indicação, além de ser necessário conhecer a fisiologia e fisiopatologia do problema do bebê e que está diretamente relacionado às crises de hipertensão pulmonar.
A HP reativa, que pode ocorrer nas primeiras 24 a 48 horas de pós-operatório de uma cirurgia cardíaca, é uma condição que deixa a criança extremamente vulnerável, sendo então indicada a aspiração do tubo orotraqueal somente quando conveniente, e cabe ao fisioterapeuta julgar o momento ideal para a aplicação dessa técnica.
De maneira geral, uma opção de que o fisioterapeuta pode lançar mão para evitar episódios de hipoxemia e conseqüentes quadros de HP é a hiperoxigenação e hiperventilação antes da aspiração. Geralmente, 1 a 2 minutos são suficientes. Contudo, há algumas exceções, como o caso de bebês com fisiologia de ventrículo único, os quais não devem ser submetidas à hiperventilação e nem à hiperóxia, sob pena de haver um aumento do fluxo pulmonar, com redução do fluxo arterial sistêmico, em decorrência da redução da resistência vascular pulmonar (RVP). Assim, a saturação periférica de oxigênio (SpO2) deverá oscilar entre 75 a 80% e a pressão arterial de gás carbônico (PaCO2) não deverá superar os 40mmHg.
Outro fator relevante, especialmente em pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica, é a questão da sedação. Na verdade, é muito importante que a criança se encontre sedada e sob analgesia para que se possa executar a técnica com menores riscos de desenvolvimento de HP.
Antes se acreditava que tal procedimento deveria ser feito em 15 a 30 segundos, justamente pelo potencial risco de HP. Porém, em serviços que têm a participação de uma equipe de fisioterapeutas bem treinada e conhecedora dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos na HP, costuma-se adequar a duração do procedimento à tolerância hemodinâmica e ventilatória do paciente.
Vale lembrar, ainda, que uma higiene brônquica efetiva associada à umidificação adequada é capaz de restringir o desenvolvimento de rolhas de secreção na cânula endotraqueal e até mesmo de secreções mais espessas que podem agravar os quadros de HP.
Ventilação Mecânica Não Invasiva
Cada vez mais, a ventilação mecânica não invasiva (VMNI) tem sido uma alternativa eficaz e segura não só como técnica de desmame, mas também como tratamento da insuficiência respiratória, sendo seus principais objetivos a otimização da ventilação alveolar e a redução do trabalho respiratório com a diminuição da sobrecarga dos músculos respiratórios.
Como já citado, é bastante comum a utilização da VMNI como um elemento de transição entre a ventilação mecânica invasiva convencional e a respiração espontânea. Em neonatos e lactentes, é freqüente a administração da VMNI com CPAP (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas), por meio de uma interface conhecida como prong nasal, nos próprios ventiladores convencionais (os mesmos que fazem ventilação invasiva). Já em crianças maiores, opta-se pelo uso do BIPAP (bi-nível), o qual é capaz de fornecer dois níveis pressóricos distintos – um na fase inspiratória (IPAP) e outro na fase expiratória (EPAP), os quais não só reduzem o trabalho respiratório, mas também são capazes de manter volumes e capacidades pulmonares garantindo as trocas gasosas.
Os parâmetros iniciais correspondem a valores muito próximos dos limites fisiológicos, ou seja, CPAP ou EPAP de 3 a 5cmH2O e o IPAP variando entre 10 a 12cmH2O, o que seria suficiente para fornecer uma pressão inspiratória que auxiliaria, pelo menos, a vencer a resistência imposta pelo circuito do aparelho durante a fase inspiratória. As pressões podem ser aumentadas de acordo com a tolerância do paciente. Assim, é importante que sejam monitorados os sinais vitais do paciente e que sejam feitas reavaliações freqüentes para que se possa detectar sinais, como o broncoespasmo, a taquicardia e queda de saturação, sugestivos de uma nova crise de HP.
A VMNI pode ser aplicada de forma contínua ou intermitente, de acordo com as necessidades do bebê e sempre após uma rigorosa avaliação do fisioterapeuta.
O uso da pressão positiva no paciente com HP justifica-se pelo fato de que com esta terapia é possível desfazer zonas de colapso alveolar (atelectasias) que podem piorar o quadro de HP, por haver vasoconstrição hipóxico-reflexa. Com o aumento do shunt intrapulmonar, pode-se exacerbar a RVP e, conseqüentemente, prejudica-se a condição da artéria pulmonar. Já com a manutenção dos volumes e capacidades pulmonares, é possível reduzir os quadros de hipoxemia e hipercapnia, evitando-se nova crise. Entretanto, valores pressóricos excessivos podem contribuir para a hiperdistensão alveolar de algumas regiões pulmonares e conseqüente compressão mecânica de vasos sangüíneos pulmonares adjacentes, o que provocaria um aumento da RVP e poderia agravar o quadro de HP, levando a uma importante instabilidade hemodinâmica e ventilatória, o que deixaria a vida da criança sob ameaça de morte.
Além disso, é relevante que sejam abordadas questões como a utilização de um circuito único quando da administração do BIPAP®, o qual pode acabar gerando um aprisionamento de CO2 e, conseqüentemente, pode agravar o quadro do paciente. Assim, faz-se necessária uma monitoração permanente das condições hemodinâmicas e ventilatórias da criança, além de constante reavaliação, para que se possa intervir em momento oportuno, evitando-se situações indesejadas e retrocesso no tratamento da mesma.
Ventilação Mecânica Invasiva
Uma característica marcante dos quadros de HP é que, além da elevação aguda da pressão de artéria pulmonar, há a queda brusca do volume minuto associada ao broncoespasmo. Assim, a monitoração da pressão de artéria pulmonar é de grande valia para o seu diagnóstico e tratamento, sendo muito importante prevenir, por exemplo, o surgimento de crises de HP no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca e nos dias subseqüentes, pois esta fase corresponde ao momento em que o coração direito, em especial o ventrículo direito, se encontra, muitas vezes, ainda debilitado e sob trabalho intenso. Na verdade, o que ocorre é que, com a instituição da CEC e com as medidas de proteção ao miocárdio (hemodiluição, hipotermia, etc.), há um grande extravasamento de líquido para o interstício, sendo os pulmões os órgãos mais sensíveis a estas mudanças. Assim, tem-se um aumento significativo na pós-carga de ventrículo direito, com necessidade de tratamento medicamentoso e manipulação dos parâmetros ventilatórios, objetivando a redução da resistência vascular pulmonar e otimizando a pré-carga de VD.
De forma geral, para se alcançar a minimização da resistência vascular pulmonar, deve-se lançar mão de ajustes ventilatórios que promovam o aumento do pH sangüíneo e da PaO2, além da PAO2, reduzindo-se a PaCO2 e também a pressão intratorácica.
O suporte ventilatório para crianças com quadros de hipertensão pulmonar, seja de qualquer etiologia, deve ser estabelecido de forma precoce para que se possa reduzir o consumo de oxigênio pela musculatura respiratória, evitando quadros de acidose metabólica. Então, uma vez corrigidos os distúrbios metabólicos, inicia-se a ventilação mecânica convencional, com a instituição da Ventilação Mandatória Intermitente (IMV), com o pico de pressão inspiratória (PIP) ajustado de acordo com uma expansibilidade torácica satisfatória; pressão positiva expiratória final (PEEP) dentro dos limites fisiológicos (4 a 5cmH2O); fluxo correspondente a 3 ou 4 vezes o volume minuto (mínimo de 5 a 6L/min), freqüência respiratória entre 20 a 40 incursões por minuto, sempre buscando uma sincronia com a respiração espontânea e FiO2 para manter uma PaO2 > 50mmHg evitando-se sempre, episódios de hipoxemia que podem causar novos quadros de HP. O maior objetivo dessa estratégia ventilatória é manter um pH > 7,25; PaO2 entre 50 e 70mmHg e PaCO2 entre 40 e 70mmHg. Caso não se consiga manter a PaO2 acima de 50mmHg, pode-se optar pela hiperventilação para se atingir um pH > 7,50 a fim de que se possa promover uma vasodilatação pulmonar. É possível, então, lançar mão de uma freqüência respiratória alta, com tempo inspiratório (Ti) curto, entre 0,3 a 0,5s, PEEP baixa e PIP alto (até 35cmH2O) para que se obtenha um pH alto, com uma PaCO2 entre 20 e 25cmH2O e uma PaO2 entre 80 e 100mmHg. Entretanto, a hiperventilação em ventiladores convencionais, a qual é alcançada com o aumento excessivo da freqüência respiratória, não é recomendada por reduzir o tempo expiratório (Te), podendo, então, gerar auto-PEEP (PEEP intrínseca) e conseqüente hiperdistensão alveolar com possível compressão de vasos sangüíneos adjacentes e indesejados aumentos na RVP. Vale lembrar que esta estratégia de uso da hiperventilação só deve ser usada em casos muito graves (com uma PaO2 < 50mmHg com uma FiO2 a 100%), que não respondem ao tratamento convencional, pois pode haver redução excessiva do fluxo sangüíneo cerebral pela redução do retorno venoso.
Especificamente no P.O. de crianças que foram submetidas à correção cirúrgica com CEC, sabe-se que a RVP é passível de profundas alterações no pH pelas mudanças na PaCO2. Então preconiza-se um pH alcalino (7,5 e 7,6) com a PaCO2 baixa (30mmHg) atingida com hiperventilação pela instituição de volumes correntes altos (15 a 25ml/Kg). É importante mencionar que o aumento na FiO2 para garantir níveis adequados de PaO2 e PAO2 pode não ser efetivo após a CEC no P.O. recente. Atualmente, preconiza-se uma ventilação com volumes correntes baixos (6 a 8ml/Kg). Mas há quem fale que, no pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica, após CEC, com HP, para se reduzir a hipoxemia com o recrutamento das unidades alveolares e redução do shunt intrapulmonar, deve-se utilizar volumes correntes altos, oscilando entre 15 a 25ml/kg. O volume corrente alto promoveria a ventilação das zonas de microatelectasias responsáveis pela piora da hipoxemia. É bom lembrar que, as dores pela incisão esternal e pela presença de drenos podem causar a imobilização da parede do tórax e redução da incursão diafragmática, o que leva a quadros hipoventilatórios, com acúmulo de CO2 e hipoxemia. A perda da perfusão e diminuição na produção de surfactante conduz a uma redução da complacência pulmonar, especialmente no período pós-operatório. Estas situações não são raras e trazem um grande transtorno na evolução do paciente.
Outra possibilidade é a ventilação mecânica de alta freqüência oscilatória ou a jato, que se utiliza de freqüências respiratórias bastante altas (até 3200ipm) e volumes correntes muito baixos (entre 2 a 4ml/kg). Entretanto, ainda são poucos os serviços no Brasil que têm aparelhos próprios para esta modalidade ventilatória.
Outras medidas adjuvantes que são usadas em terapia intensiva pediátrica e neonatal para se atingir a vasodilatação pulmonar englobam a alcalinização com bicarbonato de sódio e vasodilatadores endovenosos, como a Tolazolina e Nitroprussiato de Sódio. Há pesquisas que demonstram ser possível manter uma hipercapnia com alcalose metabólica administrando-se bicarbonato de sódio, contudo, tal terapia ainda requer mais estudos na população neonatal.
Após a extubação de pacientes que cursaram com eventos de HP, pode-se lançar mão da oxigenoterapia através da nebulização contínua com fluxo acima de 7L/min, para que se possa evitar a retenção de CO2 e os quadros de hipoxemia, ou, ainda pela administração de oxigênio com máscaras de Venturi (21 a 60% de O2).
Vale ressaltar que, após a extubação da criança, para que se possa evitar hipercapnia e conseqüente vasoconstrição pulmonar, deve-se promover uma higiene brônquica adequada e a manutenção de uma boa expansibilidade torácica.
Terapia com Óxido Nítrico Inalatório (NO)
A HP e a hipoxemia severa são pontos finais comuns de diversas condições, como a Hipertensão Pulmonar Primária (HPP), a Hipertensão Pulmonar Persistente do Recém-Nascido (HPPRN) e os quadros de hipertensão pulmonar secundários a eventos que cursem com insuficiência respiratória hipoxêmica (como a Síndrome da Aspiração Meconial - SAM, Síndrome do Desconforto Respiratório - SDR, Sepse, Pneumonia), cardiopatias congênitas de hiperfluxo pulmonar, entre outras. Além disso, esses distúrbios invariavelmente exigem intubação orotraqueal e ventilação mecânica. Entretanto, a assistência ventilatória, bem como várias terapias com vasodilatadores pulmonares têm demonstrado ser limitadas pela vasodilatação sistêmica, hipotensão e piora do shunt direita-esquerda ou, ainda, pela ocorrência de disritmias.
Desde meados dos anos 80, o interesse clínico e acadêmico voltou-se para a biologia celular e para a fisiologia da ação do NO, o qual foi descrito como "fator de relaxamento derivado do endotélio", que age exclusivamente sobre a vasculatura pulmonar, não gerando quaisquer efeitos sistêmicos. É um gás altamente reativo, que é importante fisiologicamente em concentrações muito baixas. A concentração de NO atmosférico oscila entre 10 a 100 partes por bilhão (ppb). Se 1.000ppb correspondem a 1 parte por milhão (ppm), então na atmosfera há menos do que 1ppm. Destaque-se que a concentração de NO rotineiramente inalada por um fumante corresponde a 400 a 1000ppm. O NO, de um poluente ocupacional e ambiental, passou a ser considerado a uma potente droga indicada para o tratamento de uma variedade de doenças que cursam com um aumento excessivo da resistência vascular pulmonar (RVP), gerando um quadro de HP.
A grande vantagem da administração do NO é pelo fato de se tratar de um vasodilatador pulmonar seletivo, ou seja, é uma droga capaz de reduzir a resistência vascular pulmonar sem afetar a resistência vascular sistêmica. Além disso, altera a RVP somente na região adjacente ao alvéolo ventilado. Isso significa que, por se tratar de um vasodilatador inalatório, ele é enviado somente para as unidades alveolares ventiladas, aumentando o fluxo sangüíneo neste local, reduzindo, então, o shunt intrapulmonar e otimizando a oxigenação. Em contraste ao NO inalatório, os vasodilatadores intravenosos (Nitroprussiato de sódio, nitroglicerina e prostaciclina) não são seletivos. Apesar destes vasodilatadores também diminuírem a pressão de artéria pulmonar, também reduzem a pressão sistêmica e aumentam o fluxo tanto nas unidades alveolares ventiladas quanto nas colapsadas, resultando em um aumento do shunt intrapulmonar e redução da PaO2, aumentando a hipoxemia. Vale ressaltar que a vasodilatação pulmonar seletiva deve-se, em grande parte, pela alta afinidade da hemoglobina pelo NO, que é cerca de 106 vezes maior do que a afinidade dela pelo oxigênio. Assim, logo após o NO se difundir para o espaço intravascular, ele se liga à hemoglobina e perde o seu efeito vasodilatador, limitando o efeito à vasculatura pulmonar.
A terapia com o NO inalatório tem sido cada vez mais difundida e vem sendo usada nas unidades de terapia intensiva pediátrica e neonatal, em problemas como a HPPRN, a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), na SAM, na HPP, em cirurgia cardíaca, transplante pulmonar e cardíaco, entre outros.
Entretanto, deve-se observar a toxicidade e as complicações do uso do NO inalatório. Podem ser citadas: toxicidade direta, produção de dióxido de nitrogênio, formação de meta-hemoglobina, produção de peroxinitrato, inibição da agregação plaquetária, aumento da pressão de enchimento de ventrículo esquerdo e resposta paradoxal.
Técnicas de Administração –
Nas Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal do Hospital da Criança – grupo HNSL – a administração do NO é feita de forma contínua, e a entrada dos gases se dá no próprio circuito do ventilador (ramo inspiratório) (Figura 1). Especialmente na Europa, a mistura dos gases ocorre dentro do próprio ventilador e a administração pode ser feita de forma contínua ou ainda seqüencial (quando não há um fluxo contínuo do gás, mas sim quando ele é liberado somente na fase inspiratória). Quando é feita a opção pela administração contínua, deve-se calcular o fluxo de NO. Ao ventilar a criança em IMV, com fluxo contínuo, segue-se a seguinte equação:
A concentração de NO no cilindro, no Brasil, na maioria das vezes, está muito próxima de 500ppm.
Caso a criança esteja sendo ventilada com outra modalidade em que o fluxo é livre, segue-se a seguinte fórmula para o cálculo do fluxo de NO, que deverá ser ajustado no fluxômetro para que seja alcançada a dose desejada:
É importante ressaltar que é preferível que se faça a opção por circuitos que tenham copos condensadores de água. Assim, primeiramente a conexão do ramo que traz o gás do fluxômetro deve ser adaptada no ramo inspiratório, depois do copo condensador de água, evitando esta entre em contado com o NO e origine um ácido que é potencialmente lesivo para o epitélio de revestimento do sistema respiratório. Além disso, deve-se respeitar um espaço de cerca de 20 a 30 cm entre o conector de entrada do NO no ramo inspiratório e o conector do analisador de gases (sensor eletroquímico), que deve estar próximo ao "Y" do ventilador.
Dose de NO –
Sobre a terapia com NO pairam ainda dúvidas, entre elas destaca-se a dosagem a ser empregada. Segundo a literatura mundial, a dose mínima terapêutica corresponde a 5ppm e a dose máxima estipulada foi de 80ppm. Entretanto, ainda não há trabalhos que comprovem qual a melhor dose a ser empregada nas crises de HP, especialmente em se tratando da população pediátrica e neonatal, para as quais, na tentativa de se manter um suporte adequado de vida, acaba-se lançando mão de outras terapias, associando drogas vasoativas, por exemplo. E é exatamente isso que impede a determinação de uma dose ideal. No Hospital da Criança, costuma-se sempre iniciar a terapia com cerca de 20 ppm. A partir da monitoração ventilatória hemodinâmica e de uma permanente reavaliação física, emprega-se a dose mínima de NO suficiente para restringir as crises de HP. Também não se costuma usar doses que ultrapassem as 40 – 60 ppm, justamente por não se saber ao certo quais são todos os efeitos colaterais que podem surgir.
Tempo de Terapia –
Após o diagnóstico de HP, uma vez instalada a terapia com NO inalatório, a maior parte dos casos apresenta uma resposta praticamente imediata, com a redução da HP e melhora dos sinais indicativos das crises. Nestas situações, a terapia deverá ser mantida enquanto persistir a hipertensão em artéria pulmonar, e sua retirada só poderá ser realizada após total estabilidade do quadro, sem a ocorrência de novas crises.
Desmame –
Sugere-se que o desmame seja lento e gradual, para que possa ser evitado qualquer efeito rebote. Entretanto, ele deve ser realizado de forma precoce. Então, uma vez iniciado o uso do NO, já se deve pensar na sua retirada. A utilização de uma estratégia de desmame é válida para se evitar não só novas crises de HP, mas também a necessidade de suporte de vida (alteração ou incremento da assistência ventilatória, uso de drogas vasoativas, etc.). Assim, busca-se a redução do nível de NO, diminuindo-se até a dose mínima terapêutica (5ppm). Essa diminuição deve ser feita de duas em duas ppm, a cada hora ou de acordo com a estabilidade hemodinâmica e ventilatória apresentada pelo paciente. Após, vai-se reduzindo os parâmetros ventilatórios sempre buscando-se a estabilidade hemodinâmica do doente, com PEEP de 5cmH2O e FiO2 de 0,4. Antes de descontinuar por completo o NO, deve-se aumentar a FiO2 para 0,6 a 0,7 pelo seu efeito vasodilatador. Somente após esta estratégia é que se deve excluir a terapia.
Precauções quanto à Toxicidade –
Deve-se evitar o uso de doses excessivas e não se pode ultrapassar as 80ppm pelo risco de não se saber quais os efeitos deletérios que estas doses altas podem provocar. Além disso, deve-se evitar o contato do gás com um meio aquoso para que não ocorra lesão do epitélio de revestimento do sistema respiratório.
Contra-indicações –
O recurso do NO está contra-indicado no tratamento de pacientes hipoxêmicos que não têm diagnóstico confirmando a hipertensão pulmonar. Além disso, nos casos em que se tem uma insuflação pulmonar pobre, com um recrutamento alveolar insuficiente a terapia com este gás também não tem qualquer valor, uma vez que ele só se difunde para áreas ventiladas, para que, posteriormente, possa se difundir para o vaso adjacente. Assim, de forma geral, não está indicado o uso do NO naqueles pacientes que possuem alteração importante na sua estrutura vascular pulmonar anterior ao uso do gás.
Evolução da Terapia com Óxido Nítrico Inalatório
É sabido que a fisiopatologia das alterações pulmonares e cardiovasculares nas variadas causas de hipertensão pulmonar na população pediátrica, por muitas vezes parece pouco clara, especialmente quando se tem mais de uma disfunção associada e quando a criança está sendo mecanicamente ventilada. O ideal seria que se pudesse determinar, com precisão, à beira do leito, qual a real causa dos episódios de aumentos na pressão pulmonar, a qual é a maior responsável pela labilidade do doente por lhe trazer tantas repercussões hemodinâmicas e ventilatórias. Como isso nem sempre é possível de ser evidenciado de maneira imediata, acaba-se postergando o tratamento efetivo do doente ou perpetuando o uso de uma terapia que poderia ter sido excluída tão logo fosse solucionado o problema de base. Apesar disso, tem-se bons resultados com a administração de óxido nítrico quando se tem o diagnóstico correto de hipertensão pulmonar, seja ela de qualquer causa.
Mesmo com boas respostas a partir do uso desse gás para a condução e tratamento das crises de hipertensão pulmonar em neonatos e nos pacientes pediátricos, não existe um consenso acerca de seu uso. A maior parte dos trabalhos até hoje realizados é experimental ou feita em pacientes com HPP, ou HPPRN ou ainda na SDRA, havendo uma gama muito grande de problemas que não foram ainda totalmente estudados.
Além disso, é importante que se saiba que existe uma grande variabilidade de metodologia de avaliação dos efeitos mecânicos, bioquímicos e hemodinâmicos da terapia com óxido nítrico em diferentes dosagens e pequeno número de pacientes estudados. Ainda seria preciso a efetivação de pesquisas em que o uso do óxido nítrico fosse isolado das demais terapias que utilizam drogas vasoativas sistêmicas ou ainda daquelas que lançam mão de suporte de vida extracorpóreo, para que se pudesse atribuir, sem dúvidas, o sucesso da resolução dos quadros de hipertensão pulmonar à terapia com óxido nítrico inalatório.
Vale lembrar que, não somente o estudo da administração do NO é importante, mas também o conhecimento sobre a sua aplicação em um pulmão que foi previamente homogeneizado, com o auxílio da própria ventilação mecânica (através das manobras de recrutamento alveolar, por exemplo) e naqueles que não sofreram uma intervenção mais direta para a otimização de sua complacência.
Por fim acredita-se na necessidade de estudos prospectivos, com metodologia e casuística adequadas, os quais agreguem os riscos e benefícios da ventilação mecânica com pressão positiva associada à utilização do óxido nítrico para uma avaliação objetiva dos efeitos desse gás em pacientes pediátricos os quais, por diversas razões, acabam evoluindo para quadros hipertensivos pulmonares.
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