Intubação traqueal infantil


Introdução

(...) mas aquela vida pode, num modo de dizer, ser restabelecida para o animal, uma abertura deve ser tentada no tronco da artéria áspera dentro do qual um tubo de junco ou bambu deve ser colocado; você irá soprar nisto, assim o pulmão pode aumentar-se novamente e o animal tomar o ar (...). (Vesalius1; "artéria áspera" nada mais é do que a traquéia.)

Intubação traqueal é a colocação de um tubo dentro da traquéia, seja através da via oral ou da via nasal. A traqueostomia já havia sido descrita antes da Era Cristã pelo grego Asclepíades2. A intubação traqueal, por sua vez, só foi descrita séculos depois. A primeira descrição conhecida cabe a Andreas Vesalius em 15431,3, realizada em animais em um modelo de pneumotórax. Vesalius pode ser considerado um homem muito além do seu tempo, pois tinha observado a interação do sistema cardiorrespiratório. Descreveu que, pela insuflação rítmica dos pulmões, evitava-se o colapso pulmonar e que, com isso, o coração tornava-se forte e não parava. Descreveu, ainda, que tais medidas poderiam salvar vidas. No entanto, somente em 1896 Trendelenburg3 realizou a primeira intubação traqueal com sucesso em humanos submetidos a anestesia. Ele idealizou um tubo que possuía uma bolsa inflável na parte distal, o que possibilitava a vedação da via aérea quando introduzida através de uma traqueostomia. O desenvolvimento do laringoscópio com diferentes tipos de lâminas possibilitou a colocação do tubo sem a traqueostomia. Hoje dispomos de diversos modelos e tamanhos de lâminas de laringoscópio para uso específico, inclusive modelos com utilização de fibra óptica. A intubação traqueal é um procedimento comum nas unidades de emergência, cuidados intensivos e centros cirúrgicos. Mas, por ser invasiva, não está isenta de riscos e complicações. O manuseio das vias aéreas é a habilidade mais essencial na medicina de emergência4. Há mais de 25 anos5 tem havido uma crescente preocupação em tornar esse procedimento o mais rápido e seguro possível.

 

Considerações anatômicas

O conhecimento anatômico das vias aéreas é primordial para o sucesso da intubação traqueal. O acesso às vias aéreas sem um prévio conhecimento anatômico pode trazer graves conseqüências. As vias aéreas da criança diferem da do adulto e sofrem alterações significativas desde o nascimento até a idade escolar. Algumas dessas peculiaridades2 estão descritas na Tabela 1 e justificam a diferença de técnica de intubação nas diversas faixas etárias.

O formato da laringe merece um destaque especial. Há mais de 50 anos é notório, na maioria dos textos sobre vias aéreas da criança, que o formato da laringe é cônico com o afunilamento em sentido caudal. Em 2003, Litman et al.6 publicaram um artigo desafiador. Eles observaram o diâmetro transversal e ântero-posterior da laringe em 99 crianças (0-14 anos) que foram submetidas a um exame eletivo de ressonância nuclear magnética. As crianças estavam sob sedação profunda com propofol, sem curarização e apresentavam respiração espontânea. Nessa condição, o exame de imagem da laringe mostrou que, em todas as crianças, a porção mais estreita da laringe estava localizada no nível das cordas vocais. Além disso, o formato da laringe no diâmetro transversal era cônico com o ápice do cone localizado justamente nas cordas vocais, ou seja, o oposto do que é descrito. No sentido ântero-posterior, o formato é cilíndrico, não havendo alteração do diâmetro ao longo da laringe. Apesar desses dados surpreendentes, os autores discutem que essa discrepância possa ser provocada pela atividade da musculatura da laringe em um paciente sedado e não curarizado, e que as estruturas acima da cricóide podem ser distendidas por não apresentarem uma cartilagem em toda a circunferência. Assim, funcionalmente o anel rígido da cricóide continua sendo a porção mais estreita da laringe.

A via aérea superior consiste no trajeto da passagem de ar das narinas e da boca até a traquéia. É dividida em nasofaringe, orofaringe e faringe. A nasofaringe é composta pela cavidade nasal, septos, cornetos nasais e adenóides. A orofaringe compreende a cavidade oral, dentes e língua. A faringe inclui as tonsilas, úvula e epiglote. A epiglote separa a laringe da hipofaringe.

A laringe é a via para a traquéia, e a hipofaringe é a via para o esôfago. A laringe é a estrutura-alvo da intubação traqueal (também chamada de translaríngea) e pode ser dividida em região supraglótica e subglótica, divididas pela glote onde se localizam as cordas vocais. A estrutura glótica é mostrada na Figura 1.

 

 

Indicações de intubação traqueal

A medicina de emergência começa com as vias aéreas7. Em toda situação em que é necessário manter uma via aérea patente e segura, a intubação traqueal pode estar indicada. Desse modo, as indicações de intubação traqueal recaem sobre aqueles pacientes que necessitam manter as vias aéreas permeáveis e o controle da ventilação pulmonar.

O procedimento pode ter caráter eletivo ou de emergência. A indicação de modo eletivo fica reservada principalmente nos pacientes submetidos a cirurgia, sendo uma decisão de anestesistas e endoscopistas. Para o pediatra, as principais indicações estão nas situações de emergência, tais como parada cardiorrespiratória, insuficiência respiratória, hipoventilação, choque, coma, pós-operatório e politraumatismo. A intubação traqueal também pode ser utilizada para controle da ventilação (PaCO2) e para administração de medicamentos como o surfactante e aqueles indicados na parada cardiorrespiratória. Podemos considerar que todo paciente que necessita de suporte ventilatório através de ventilação pulmonar mecânica tem indicação de intubação traqueal.

A intubação traqueal deve ser sempre procedida por pessoal habilitado e experiente.

 

Efeitos fisiológicos da intubação traqueal

A intubação traqueal promove uma via aérea artificial que possibilita uma ventilação pulmonar livre de obstáculos das vias aéreas superiores. Apesar disso, o tubo pode impor uma maior resistência ao fluxo de ar. A resistência ao fluxo de ar em um sistema tubular é predita pela lei de Pouiselle (equação 1). Segundo essa lei, a resistência é inversamente proporcional à quarta potência do raio. Assim sendo, a via aérea acaba tendo o seu diâmetro reduzido pela presença da parede do tubo.

O diâmetro normalmente utilizado para referência é o interno (ID), mas é o diâmetro externo do tubo (OD) o fator limitante de sua colocação na laringe. Dependendo do fabricante, tubos de mesmo ID podem ter diferentes OD, ou seja, espessuras diferentes. Quanto mais longo o tubo, maior a resistência imposta, e maior ainda se houver dobras ou estreitamentos por obstruções no interior do tubo. Isso significa que a criança intubada realiza maior trabalho respiratório quando em respiração espontânea. O tubo intratraqueal pode ser fabricado com diversos tipos de materiais plásticos, desde que inócuos, atóxicos, não induzam reação de corpo estranho e sejam atraumáticos. A consistência do tubo também é importante, pois não pode ser rígida demais para não traumatizar as vias aéreas, nem maleável demais, pois sofre dobras e redução da luz por compressões extrínsecas. O tamanho adequado do tubo intratraqueal deve ser baseado pelo diâmetro da região cricóide (subglótica), por ser o local de maior estreitamento funcional.

Tubo com balonete não é proibitivo para uso pediátrico8,9, exceto no período neonatal, desde que respeitado o OD em relação ao da laringe. Em doenças pulmonares com baixa complacência ou alta resistência de vias aéreas que necessitem de maiores pressões inspiratórias ou em grandes escapes de ar ao redor do tubo, o tubo com balonete é preferível. A pressão no balonete não deve exceder 20 cmH2O.

A intubação traqueal elimina a participação das vias aéreas superiores, e o ar inalado entra diretamente nas vias aéreas inferiores sem sofrer o processo adequado de condicionamento. O condicionamento do gás inalado (filtragem, aquecimento e umidificação) é importante para a integridade da via aérea. O gás com inadequado condicionamento pode provocar lesões relacionadas à produção de muco e movimento mucociliar, além de favorecer infecções pulmonares10,11.

A exclusão da glote para a passagem do ar pelo tubo translaríngeo impede a possibilidade de se criar uma pressão positiva na fase expiratória. A oclusão da glote associada à contração dos músculos abdominais gera uma pressão positiva nas vias aéreas, agindo como uma manobra de Valsalva. Assim sendo, nas doenças pulmonares com tendência de colapso alveolar (por exemplo, síndrome do desconforto respiratório), esse mecanismo, caracterizado pelo grunhido expiratório para manter alvéolos abertos, fica prejudicado após a intubação12. Nessa condição, o colapso pulmonar é mais rápido se não for adicionada uma pressão positiva expiratória através do tubo intratraqueal.

 

Reconhecimento da via aérea difícil

Uma das situações mais temidas pelo médico é estar diante de uma criança que necessita de assistência ventilatória vital e não obter êxito na intubação traqueal após pelo menos duas tentativas. Algumas dessas situações devem-se à inabilidade técnica, mas, em outras poucas, se devem à via aérea difícil. A via aérea difícil não tem uma definição padrão13. Segundo a Sociedade Americana de Anestesiologia13, via aérea difícil é uma situação clínica em que um anestesista convencionalmente treinado apresenta dificuldades em aplicar a ventilação com máscara facial, dificuldade para intubação traqueal, ou ambos. A via aérea difícil representa uma interação complexa entre fatores do paciente, cenário clínico e habilidade de quem realiza o procedimento. Dentre os fatores do paciente, existem sinais clínicos óbvios que predizem a dificuldade da intubação traqueal, particularmente malformações, tumores e traumas faciais. Na tentativa de predizer a dificuldade de realizar a intubação, foram criados alguns escores em adultos. Mallampati14, em 1985, descreve um sistema de graduação baseado na observação pré-operatória da orofaringe do paciente sentado. O paciente expõe a língua o máximo para fora e então são observadas as estruturas da faringe (pilares tonsilares, palato mole e base da úvula). De acordo com o que pode ser visto neste teste, é realizada uma classificação. Na Figura 2, temos esta classificação, modificada por Samsoon & Young15.

 

 

Visão da faringe durante o teste: 1) visão do palato mole, pilares tonsilares e úvula; 2) visão do palato mole e úvula; 3) visão do palato mole e base da úvula; 4) palato mole não é visualizado.

Pacientes com grau III e IV apresentam maiores riscos de apresentar dificuldades na intubação traqueal.

A aplicação deste teste em pediatria deve ser cuidadosa, uma vez que a anatomia da criança se altera com a idade e o grau de colaboração do paciente é imprevisível.

Uma meta-análise16 mostra uma boa correlação deste teste modificado em predizer uma dificuldade na laringoscopia e também na intubação. Entretanto, apresentou acurácia limitada em predizer uma via aérea difícil quando utilizado isoladamente.

Outra escala, descrita em pacientes obstétricos por Cormack & Lehane17 em 1984, é baseada na visualização da região glótica através da laringoscopia direta de acordo com as estruturas visíveis (glote, aritenóides e epiglote): I - visão total da glote; II - visão parcial da glote e aritenóides; III - somente a glote visível; IV - nem a glote nem a epiglote visíveis. Pacientes com grau III e IV apresentam maiores riscos de intubação difícil. A necessidade de laringoscopia direta limita a previsão de via aérea antes do procedimento da intubação.

 

Preparo do paciente e técnica

Posicionamento

Colocação de coxim sob a cabeça em crianças maiores para facilitar o posicionamento dos eixos (Figura 3).

 

 

Em recém-nascidos, o coxim sob a cabeça muitas vezes é desnecessário, pela maior proporção do segmento cefálico, sendo que a região occipital já eleva o nível da cabeça. Nesses casos, pode ser utilizado um coxim sob o pescoço e região das espáduas para estabilizar a posição da cabeça.

Intubação

Em pediatria, a lâmina de laringoscópio mais utilizada é a reta (tipo Miller). Após posicionamento, segura-se o laringoscópio com a mão esquerda e a lâmina é introduzida lateralmente pelo lado direito da boca, procurando-se desviar a língua para a esquerda. Progride-se com a lâmina suave e lentamente sobre a língua até visualizar a epiglote. A lâmina deve sobrepor a epiglote para visualização da região glótica (Figura 3C). Quando se utiliza lâmina curva, a sua extremidade distal é colocada entre a base da língua e a valécula.

 

Seqüência rápida de intubação

O termo surgiu em anestesia na década de 1980 como extensão da seqüência rápida de indução anestésica. Foi observado que o uso de pré-medicamentos facilitava e tornava o procedimento mais seguro e com maior índice de sucesso. Em 1990, Yamamoto18 relata o uso com sucesso da seqüência rápida de intubação (SRI) em 19 pacientes pediátricos que necessitaram de intubação traqueal de emergência.

O detalhamento da SRI não faz parte do escopo deste artigo, podendo ser consultado em artigos específicos8,13,19-21. Resumidamente, consiste na administração, depois de um período de oxigenação a 100%, de um sedativo de ação rápida e curta, seguida por um bloqueador neuromuscular com as mesmas características, além da aplicação de pressão na cartilagem cricóide (manobra de Sellick), para realizar rapidamente e nas melhores condições a laringoscopia seguida da intubação orotraqueal. Tem o propósito de evitar tentativas mal sucedidas, ventilação manual com bolsa e máscara, diminuindo o risco de distensão, regurgitação, vômito e aspiração21.

 

Circunstâncias especiais para a realização da intubação traqueal

Crianças que tenham se alimentado poucas horas antes são de altíssimo risco para aspiração do conteúdo gástrico durante as manobras de intubação traqueal, principalmente nos casos em que há alteração dos reflexos de proteção de via aérea. Os fatores de risco relacionados à morbidade são: volume aspirado, pH do fluido aspirado (pH menor que 1,8 está associado com maior disfunção pulmonar e óbito)22, contaminação bacteriana, partículas e tipos de comida, doença sistêmica ou pulmonar prévia e imunodepressão. Nestes pacientes, indica-se formalmente a SRI.

Nos pacientes com disfunção grave do sistema nervoso central (trauma, hemorragia, infecção, hidrocefalia ou lesões de massa), existe um risco de associação de hipertensão intracraniana e herniação cerebral, estando recomendadas a intubação traqueal e a instituição de ventilação pulmonar mecânica quando o paciente apresenta um escore de coma de Glasgow menor do que 923. A intubação nasotraqueal está contra-indicada nos pacientes com fratura na base do crânio e que apresentem extravasamento de liquor, devido ao risco aumentado de infecção e mesmo perfuração da placa cribiforme. Em crianças com hipertensão intracraniana, logo após a intubação traqueal e o início da ventilação, deve-se objetivar a manutenção da pressão parcial de CO2 em valores de aproximadamente 30 a 35 mmHg24.

Nos pacientes com lesões de coluna espinal, as manobras de flexão do pescoço e extensão da cabeça podem aumentar a lesão preexistente e precipitar a possibilidade de novos problemas. A realização de radiografia da coluna espinal e a história da natureza do trauma ajudam a definir o tipo de lesão e as manobras necessárias, mas esta informação raramente é completa, fazendo com que o manuseio da intubação nesta situação seja controverso25,26. Não se recomenda a intubação nasotraqueal às cegas nesses pacientes, e deve-se manter sempre a imobilização da cabeça e pescoço na posição neutra, com ajuda de um assistente.

Crianças intubadas por obstrução de vias aéreas superiores devido a edema, inflamação, trauma ou outras lesões que ocupem espaço, quando possível, devem ser intubadas por via orotraqueal, em posição supina ou a 30º, realizando-se a manobra sem o uso de agentes bloqueadores neuromusculares. No entanto, as condições ideais seriam a intubação em centro cirúrgico, utilizando um agente anestésico com o paciente em respiração espontânea, submetido a uma concentração alta de oxigênio e em anestesia profunda. Na maioria dos casos, o tubo intratraqueal deve ser 0,5 a 1 mm menor do que o predito para a idade, não podendo haver escape ao seu redor. A extubação está indicada quando houver escape de ar ao redor do tubo.

Em crianças com lesão aberta do globo ocular que necessitam de intubação em razão das lesões associadas, o procedimento deve ser realizado com o objetivo de prevenir aumento da pressão ocular, que pode ocasionar extrusão do corpo vítreo e cegueira. A intubação deve ser cuidadosa e de maneira suave, com a utilização de músculo-relaxante, tomando-se o cuidado de não aplicar nenhuma pressão com a máscara no olho acometido. Não utilizar a succinilcolina, pois está associada com o aumento da pressão intra-ocular. Em geral, os agentes depressores do sistema nervoso central diminuem a pressão intra-ocular, com exceção da cetamina. A lidocaína suplementa o efeito dos agentes sedativos e analgésicos, bloqueando o aumento da pressão intra-ocular. Deve-se manter uma sedação e paralisia profunda até que se realize a correção cirúrgica da lesão ocular.

Nas crianças com lesões laringotraqueais com história de trauma na porção anterior do pescoço e clínica de rouquidão, estridor, enfisema subcutâneo, pneumotórax ou pneumomediastino, a intubação traqueal deve ser realizada com o paciente desperto, mas com sedação cuidadosa e anestesia tópica. A visualização é direta por laringoscopia ou fibrobroncoscopia, visando diminuir os riscos de obstrução completa e súbita da via aérea ou a criação de um falso trajeto na via aérea.

 

Manuseio da extubação traqueal

A extubação é a fase final da evolução com sucesso ou não de proteção da via aérea e/ou terapêutica com a ventilação pulmonar mecânica. Entretanto, o sucesso da extubação depende de diversos fatores, além da recuperação da função pulmonar. O clínico tem que ter habilidade de avaliar de modo apurado a prontidão da criança para a extubação, manejar de modo correto todo o procedimento para a extubação e identificar e tratar imediatamente as complicações potenciais graves pós-extubação.

A utilização de corticosteróide é controversa, pois os vários estudos não diferenciam as diversas causas de obstrução alta das vias aéreas27,28. Temos utilizado a dexametasona (0,25 mg/kg/dose intravenosa) nos pacientes em que o teste de extravasamento de gás ao redor do tubo intratraqueal sugere um alto risco para obstrução de vias aéreas superiores pós-extubação, bem como em crianças com fatores de risco (intubação traumática, múltiplas intubações, intubação prolongada, procedimentos cirúrgicos em região cervical ou laringe). O corticóide é prescrito aproximadamente 24 horas antes da extubação e mantido até as 24 horas após extubação. As crianças menores do que 4 anos estão mais propensas a desenvolver edema da via aérea, devido a fatores contribuintes, como tubo traqueal estreito ou com balonete, movimentação excessiva do tubo ou do paciente por sedação e analgesia inadequados, intubação traumática ou múltiplas tentativas, alterações prévias na via aérea e infecção da via aérea29. A grande maioria apresenta quadros leves e é submetida apenas a umidificação aquecida. Nos casos mais graves, utilizamos rotineiramente a epinefrina por via inalatória, na dose de 0,25 mL/kg/dose, por ser segura, efetiva e ter um custo menor do que a epinefrina racêmica. Deve ser dada uma atenção à possibilidade de rebote, realizando-se uma monitorização contínua do paciente.

Nos casos mais graves de obstrução alta, pode ser utilizada a mistura hélio-oxigênio (20-30% oxigênio e 70-80% hélio), objetivando a melhora clínica do paciente (diminuição da resistência de vias aéreas e do trabalho respiratório). O gás hélio tem uma densidade menor do que o ar, e a sua mistura com oxigênio permite um fluxo inspiratório maior e uma menor resistência.

O relato de Otherson30, em 1979, sugere que a restrição hídrica pode promover a desidratação dos tecidos, facilitando a redução do edema subglótico. Apesar de essa estratégia ser útil nos pacientes de alto risco, não é nossa rotina.

A presença do tubo intratraqueal pode alterar temporariamente os reflexos de laringe e a função das cordas vocais. A tendência de deglutição de ar durante os períodos de desconforto respiratório também pode contribuir com risco de vômito e aspiração. Temos mantido o paciente em jejum por 4 a 6 horas antes da extubação e, quando necessário, esvaziamos o conteúdo do estômago através de uma sonda nasogástrica. A preparação da extubação inclui também uma preparação para uma possível reintubação, disponibilizando os medicamentos e materiais necessários para o procedimento. Existe uma pequena porcentagem de pacientes em que há necessidade de reintubação após a extubação, e a incidência é maior nos casos com intubação difícil31. Deve-se reintubar o paciente somente se o tratamento farmacológico não for eficaz. Recomenda-se, nos casos em que existe um risco de reintubação traqueal, realizar a extubação com a disponibilidade de um broncoscópio com fibra ótica. O procedimento para extubação inclui: a) colocação da criança na posição semi-ereta; b) aspiração cuidadosa do tubo intratraqueal, bem como da via aérea superior (boca e nariz); c) oxigenação do paciente com O2 a 100%, durante 3 a 5 minutos, utilizando um sistema de bolsa-máscara com reservatório; d) atenção: desinsuflar o balonete do tubo intratraqueal; e) solicitar para as crianças pré-escolares e maiores que induzam a tosse conforme o tubo é removido ou fazer a retirada do tubo na fase inspiratória; f) incentivar a inspiração profunda e tosse imediatamente após a remoção do tubo.

 

Complicações

As complicações mais freqüentes após a extubação traqueal são comprometimento das vias aéreas superiores e atelectasia. Após a extubação, monitorização contínua, reconhecimento precoce e tratamento de potenciais complicações são obrigatórios. A monitorização da freqüência cardíaca e respiratória, da oximetria de pulso e do gás carbônico expirado fornece dados importantes de piora da função ventilatória, os quais podem estar relacionados a complicações pós-extubação.

Os pacientes que evoluem com edema subglótico grave desenvolvem sintomas nas primeiras 2 horas após a extubação, e a obstrução geralmente atinge um máximo com 8 a 12 horas. As crianças que não têm sintomas nas primeiras 2 horas geralmente não evoluem com uma obstrução grave. Nos pacientes com maior risco, utilizar adrenalina racêmica ou adrenalina 1/1.000 por via inalatória, mesmo antes do início dos sintomas. O tratamento do edema subglótico pós-extubação é realizado com a utilização de corticóide e adrenalina. O uso da mistura hélio-oxigênio (70% de hélio: 30% de oxigênio) pode ser uma medida a ser utilizada nos pacientes com edema subglótico moderado-grave. Esta estratégia tem ajudado a prevenir trauma adicional devido à reintubação naqueles pacientes em que falha a terapêutica para a obstrução da via aérea superior32,33. Quando a reintubação for inevitável, deve ser utilizado um tubo intratraqueal 0,5 mm menor (ou ainda menor) do que o previamente utilizado. Planejar uma segunda tentativa 48 horas após a instituição de corticóide. Considerar a realização de broncoscopia, que pode revelar a presença de estenose traqueal, granulomas, ruptura de cartilagem aritenóide, ulcerações/alteração de mobilidade de corda vocal. A paralisia de corda vocal está associada com risco aumentado de aspiração pulmonar, e o conhecimento da paresia é importante para diminuir esta possibilidade.

Uma complicação relativamente comum é a presença de atelectasia pós-extubação relacionada à alteração da depuração mucociliar durante e imediatamente após a extubação e associada à doença pulmonar preexistente não resolvida. É mais comum o acometimento do lobo superior do pulmão direito. O intensivista deve antecipar a possibilidade de um colapso pela avaliação clínica ou através de radiografia torácica do paciente após a extubação. A fisioterapia respiratória deve ser sempre avaliada de modo individual em cada paciente, de acordo com as condições clínicas, estando indicada antes da extubação, assim como após esta para melhorar as condições ventilatória e de mecânica pulmonar da criança.

 

Referências

1. Vallejo-Manzur F, Perkins Y, Varon J, Baskett P. The resuscitation greats: Andreas Vesalius, the concept of an artificial airway. Resuscitation. 2003;56:3-7.         [ Links ]

2. Cordeiro AMG. Acessos para as vias aéreas. In: Carvalho WB, Hirschheimer MR, Matsumoto T, editores. Terapia intensiva pediátrica. 3ª ed. São Paulo: Atheneu; 2006. p. 1589-605.         [ Links ]

3. Dunn PF, Goulet RL. Endotracheal tubes and airway appliances. Intern Anesth Clin. 2000;38:65-94.         [ Links ]

4. Walls RM. Rapid-sequence intubation comes of age. Ann Emerg Med. 1996;28:79-81.         [ Links ]

5. Graham CA. Advanced airway management in the emergency department: what are the training and skills maintenance needs for UK emergency physicians? Emerg Med J. 2004;21:14-9.         [ Links ]

6. Litman RS, Weissend EE, Shibata D, Westesson PL. Developmental Changes of laryngeal dimensions in unparalyzed, sedated children. Anesthesiology. 2003;98:41-5.         [ Links ]

7. Reid C, Chan L, Tweeddale M. The who, where, and what of rapid sequence intubation: prospective observational study of emergency RSI outside the operating theatre. Emerg Med J. 2004;21:296-301.         [ Links ]

8. International Liaison Committee on Resuscitation (ILCOR). Guidelines for Pediatric Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2005;112 Suppl 1:167-87.         [ Links ]

9. Weiss M, Gerber AC. Cuffed tracheal tubes in children - things have changed. Pediatr Anesth. 2006;16:1005-7.         [ Links ]

10. Shelly MP, Nigthngale P. ABC of intensive care: respiratory care. BMJ. 1999;318:1674-7.         [ Links ]

11. Nakagawa NK, Franchini ML, Driusso P, de Oliveira LR, Saldiva PH, Lorenzi-Filho G. Mucociliary clearance is impaired in acutely ill patients. Chest. 2005;128:2772-7.         [ Links ]

12. Harrison VC, Heese H de V, Klein M. The significance of grunting in hyaline membrane disease. Pediatrics. 1968;41:549-59.         [ Links ]

13. American Society of Anesthesiologists Task Force on Difficult Airway Management. Practice guidelines for management of the difficult airway: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology. 2003;98:1269-77.         [ Links ]

14. Mallampati SR, Gatt SP, Gugino LD, Desai SP, Waraksa B, Freiberger D, et al. A clinical sign to predict difficult tracheal intubation: a prospective study. Can Anaesth Soc J. 1985;32:429-34.         [ Links ]

15. Samsoon GL, Young JR. Difficult tracheal intubation: a retrospective study. Anaesthesia. 1987;42:487-90.         [ Links ]

16. Lee A, Fan LTY, Gin T, Karmakar MK, Ngan Kee WD. A systematic review (meta-analysis) of the accuracy of the Mallampati Tests to predict the difficult airway. Anesth Analg. 2006;102:1867-78.         [ Links ]

17. Cormack RS, Lehane J. Difficult intubation in obstetrics. Anaesthesia. 1984;39:1105-11.         [ Links ]

18. Yamamoto LG, Yim GK, Britten AG. Rapid sequence anesthesia induction for emergency intubation. Pediatr Emerg Care. 1990;6:200-13.         [ Links ]

19. Amantéa SL, Piva JP, Zanella MI, Bruno F, Garcia PC. Acesso rápido à via aérea. J Pediatr (Rio J). 2003;79 Supl. 2:S127-38.         [ Links ]

20. Reynolds SF, Heffner J. Airway management of the critically ill patient. Chest. 2005;127:1397-412.         [ Links ]

21. Jaguim M. Airway management. Rapid-Sequence intubation in trauma patients. AJN. 2003;103;32-5.         [ Links ]

22. James CF, Modell JH, Gibbs CP, Kuck EJ, Ruiz BC. Pulmonary aspiration: effects of volume and pH in the rat. Anesth Analg. 1984;63:665-8.         [ Links ]

23. Guidelines for the acute medical management of severe traumatic brain injury in infants, children, and adolescents. Chapter 17. Critical pathway for the treatment of established intracranial hypertension in pediatric traumatic brain injury. Pediatr Crit Care Med. 2003;4(3 Suppl):S65-7.         [ Links ]

24. Adelson PD, Bratton SL, Carney NA, Chesnut RM, du Coudray HE, Goldstein B, et al. Guidelines for the acute medical management of severe traumatic brain injury in infants, children, and adolescents. Chapter 12. Use of hyperventilation in the management of severe pediatric traumatic brain injury. Pediatr Crit Care Med. 2003;4(3 Suppl):S45-8.         [ Links ]

25. Knopp RK. The safety of orotracheal intubation in patients with suspected cervical-spine injury. Ann Emerg Med. 1990;19:603.         [ Links ]

26. Rhee KJ, Green W, Holcroft JW, Mangili JA. Oral intubation in the multiply injured patient: the risk of exacerbating spinal cord damage. Ann Emerg Med. 1990;9:511-4.         [ Links ]

27. Anene O, Meert KL, Uy H, Simpson P, Sarnaik AP. Dexamethasone for the prevention of postextubation airway obstruction: a prospective, randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Crit Care Med. 1996;24:1666-9.         [ Links ]

28. Tellez DW, Galvis AG, Storgion SA, Amer HN, Hoseyni M, Deakers TW. Dexamethasone in the prevention of post-extubation stridor in children. J Pediatr. 1991;118:289-94.         [ Links ]

29. Koka BV, Jean IS, Andre JM, MacKay I, Smith RM. Post-intubation croup in children. Anesth Analg. 1977;56:501-5.         [ Links ]

30. Otherson HB. Intubation injuries of the trachea in children: management and prevention. Ann Surg. 1979;189:601-6.         [ Links ]

31. Hammer GB, Funck N, Rosenthal DN, Feinstein JA. A technique for maintenance of airway access in infants with a difficult airwayfollowing tracheal extubation. Paediatr Anaesth. 2001;11:622-5.         [ Links ]

32. Kemper KJ, Izenberg S, Marvin JA, Heimbach DM. Treatment of post-extubation stridor in a pediatric patient with burns: the role of heliox. J Burn Car Rehabil. 1990;11:337-9.         [ Links ]

33. Kemper KJ, Ritz RH, Benson MS, Bishop MS. Helium-oxygen mixture in the treatment of post-extubation stridor in pediatric trauma patients. Crit Care Med. 1991;19:356-9.         [ Links ]

Toshio MatsumotoI; Werther Brunow de CarvalhoII

IMédico. Coordenador, Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica e Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, São Paulo, SP
IIProfessor adjunto livre-docente, Departamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM), São Paulo, SP. Chefe, Unidades de Cuidados Intensivos Pediátricas, Hospital São Paulo, Hospital Santa Catarina e Pronto-Socorro/Hospital Infantil Sabará, São Paulo, SP


Espero que você tenha gostado desse texto. Se quiser receber mais textos como esse, entre no grupo de Whatsapp para receber textos e informações do nosso material.

Você pode ter um material mais aprofundado sobre esse tema. A Quero Conteúdo disponibiliza dezenas de materiais sobre Fisioterapia para estudantes e profissionais. Entre em contato com nossa consultora clicando na imagem abaixo!


Tecnologia do Blogger.